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Economistas dizem que há um conflito entre as ações patrocinadas pelo Executivo e pelo Congresso e a alta de juros promovida pelo Banco Central. Neste ano, principais medidas de estímulo já somam mais de R$ 100 bilhões.
Os incentivos fiscais bilionários patrocinados pelo governo Jair Bolsonaro e pelo Congresso Nacional estão dificultando a ação do Banco Central no combate à inflação, afirmam economistas ouvidos pelo g1 e pela GloboNews.
Numa tentativa de estimular a economia às vésperas da eleição, os poderes Executivo e Legislativo lançaram mão da redução de tributos e colocaram o país num estado de emergência para turbinar e ampliar os benefícios sociais, sem contrapartidas fiscais.
Ao todo, as principais medidas adotadas em 2022 devem somar R$ 102,4 bilhões até o fim deste ano, de acordo com um levantamento do banco Credit Suisse.
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Pelo lado da receita, as reduções de tributos abarcaram combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transporte público. Já pelo lado da despesa, o país ampliou os gastos com o novo valor do Auxílio Brasil e do Vale gás, além de criar benefícios destinados a caminhoneiros e taxistas. Veja na arte mais detalhes.
Na prática, o que os economistas dizem é que a política fiscal (de tributos) atual está em conflito com a política monetária (de juros).
Ao subir a taxa básica de juros (Selic), o Banco Central tenta desaquecer a economia, encarecendo o crédito para famílias e empresas e, consequentemente, inibindo o consumo.
Já no momento em que a equipe econômica decide injetar recursos na atividade econômica, incentiva a sociedade a gastar mais. Ou seja, a alta da Selic acaba tendo parte do seu efeito anulado.
“Quando há um estímulo da demanda, num ambiente de inflação alta e com o Banco Central subindo os juros, é como se o BC estivesse apertando o freio, mas o governo estivesse acelerando, com impulsos inflacionários”, diz a economista-chefe do banco Credit Suisse, Solange Srour.
“Sendo um estímulo fiscal, o Banco Central tem de tratar como um risco inflacionário, e qual é o impacto disso? É que os juros vão ficar altos por mais tempo, porque a inflação vai ficar elevada por mais tempo. O freio do BC não está sendo muito eficiente, porque um outro lado da economia está sendo estimulado”, acrescenta.
De março do ano passado até a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), realizada na semana passada, a taxa de juros subiu de 2% para 13,75% ao ano, mas o efeito do aperto monetário na inflação não tem sido o esperado.
Apesar da disparada da Selic, o país deve descumprir por três anos a meta de inflação.
Em 2021, o Índice Nacional de Preços ao Consumido Amplo (IPCA) subiu 10,06%, bem acima do teto da meta daquele ano, que era de 5,25%. E mesmo com as recentes medidas de redução de tributos, o estouro da meta deve se repetir em 2022 e 2023, de acordo com as últimas projeções do relatório Focus, do Banco Central.
“Se num determinado momento, como agora, a política monetária está sendo contracionista, objetivando trazer a inflação para baixo, há um conflito se o lado fiscal é expansionista”, diz José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
No comunicado divulgado na semana passada, o Copom voltou a destacar o risco atrelado às contas públicas. Disse que “a possibilidade de que medidas fiscais de estímulo à demanda se tornem permanentes acentua os riscos de alta para o cenário inflacionário”. Na ocasião, o comitê deixou a porta aberta para mais uma alta da Selic na próxima reunião, em setembro.
A influência da política fiscal
São três os canais que levam a política fiscal a ter um impacto na inflação. Entenda cada um deles:
- Atividade econômica. Com mais dinheiro na mão e em circulação na economia, as pessoas tendem a gastar mais, o que aquece a atividade econômica e, consequentemente, incentiva a alta da inflação.
“Claro que medidas fiscais que visam beneficiar os menos favorecidos fazem todo sentido e são absolutamente legítimas. O cuidado que precisa se tomar, no entanto, é que, ao implantar programas dessa natureza, a gente tenha um mínimo de segurança de que outros gastos serão contidos. E não é isso o que está acontecendo”, diz Senna.
- Ativos financeiros. A piora das contas públicas, com o excesso de gastos, faz com que a percepção de risco dos investidores em relação ao Brasil piore, levando a um aumento do chamado prêmio de risco. Ou seja, os investidores exigem um retorno maior para aplicar seus recursos no Brasil.
“E, quando esse prêmio de risco aumenta, um dos efeitos é uma depreciação da moeda nacional. O real perde valor. Isso encarece os preços de vários tipos de bens e prejudica, portanto, a inflação”, afirma o economista.
- Expectativas. A deterioração das regras fiscais também turva a visão dos agentes financeiros em relação ao futuro das contas públicas, sobretudo porque ocorreram, nos últimos anos, sucessivas mudanças no teto de gastos, a principal âncora fiscal do país.
No governo Bolsonaro, já foram realizadas cinco alterações no teto. A última veio com a proposta de emenda à Constituição (PEC) batizada de Kamikaze, que instituiu um estado de emergência no país para abrir espaço – fora do teto – de mais de R$ 40 bilhões e garantir, por exemplo, o novo valor do Auxílio Brasil.
“A regra fiscal foi mudada de uma maneira muito fácil no Brasil, e você perdeu o arcabouço fiscal. Quando esse arcabouço é perdido, as expectativas de inflação sobem”, diz Solange, do Credit Suisse.
Ambiente externo e incerteza institucional
A incerteza com a política fiscal se dá em um momento delicado, em que existem tanto pressões externas como internas.
No cenário global, a alta das commodities e os problemas nas cadeias de produção desencadearam um processo de alta de preços nas principais economias. Nos Estados Unidos, o banco central do país teve de promover duras altas na taxa de juros numa tentativa de segurar os preços.
Na cena local, nos últimos meses, o país tem lidado com uma série de conflitos institucionais, com ataques ao regime democrático e ao processo eleitoral. Tudo isso, segundo os economistas, também contribui para reforçar o ambiente de incerteza, afastando investidores.
“Tudo isso traz insegura e incerteza. E uma sociedade, para prosperar, gerar emprego e animar empresários, precisa de um ambiente politicamente estável. Eu acho que estamos pecando por não ter um ambiente macroeconômico e político adequados”, afirma Senna, do Ibre/FGV.
Por Bianca Lima e Luiz Guilherme Gerbelli, GloboNews e g1